O Supremo vem decidindo reiteradamente pela ilegalidade da cobrança da taxa de incêndio. Empresas e cidadãos têm conseguido anular a cobrança na justiça, e pleiteiam devolução de 5 anos. Para piorar, segundo o MP, o Estado do Rio de Janeiro sequer utiliza os recursos da taxa no combate a incêndios.
Os moradores do Rio de Janeiro já estão acostumados a receber todos os anos, em suas casas e escritórios, os boletos da taxa de incêndio, mas isso, de fato, é constitucional? Segundo o Supremo Tribunal Federal (STF), não. Para o tribunal, o imposto é ilegal, e não só não pode ser cobrado pelos Estados da maneira que fazem, como também eles devem devolver os valores cobrados nos últimos 5 anos.
De fato, a taxa de incêndio é um tributo obrigatório previsto no Código Tributário do Estado do Rio de Janeiro. Trata-se de uma taxa única e paga anualmente por imóveis residenciais e não-residenciais no estado do Rio. Muitas vezes são valores baixos, e acabam passando despercebidos. Os recursos oriundos da taxa paga por todos nós seriam, segundo a lei, destinados ao reequipamento do Corpo de Bombeiros, nas áreas de salvamento e combate e prevenção de incêndio, proporcionando maior proteção à população do Estado.
No entanto, o plenário do Supremo Tribunal Federal (STF), julgou que a taxa seria inconstitucional. A decisão foi tomada em agosto de 2020, em relação à uma norma do Estado de Minas Gerais, mas é algo que vem acontecendo em diversos outros estados, incluindo o Rio de Janeiro. A jurisprudência do Supremo considerou que o combate a incêndios é um serviço público geral e não pode ser exigido o pagamento de uma taxa com esta finalidade.
Segundo o relator da ADI, ministro Marco Aurélio Mello, é impróprio que, com o pretexto de prevenir eventual sinistro relativo a incêndio, o Estado crie um tributo sob o rótulo taxa, “ausente exercício do poder de polícia ou a utilização efetiva ou potencial de serviços públicos específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos à disposição”.
Concordaram com ele os ministros Edson Fachin, Rosa Weber, Luiz Fux, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Dessa forma, os ministros Alexandre de Moraes, Roberto Barroso, Ricardo Lewandowski e Dias Toffoli, que consideraram a taxa constitucional, foram voto vencido. O placar da decisão colegiada foi de 5 a 3.
E esta não é a primeira decisão neste sentido. Reiteradas e repetidas decisões do Supremo Tribunal Federal consideram a taxa de incêndio, da forma que é cobrada, ilegal. O próprio Ministro Marco Aurélio já havia se manifestado dessa maneira três anos antes, ao decidir sobre o Recurso Extraordinário 643.247, do estado de São Paulo.
Em 2019, a ministra Carmem Lúcia também teve o mesmo entendimento sobre a cobrança da taxa em Sergipe, na ADI 2908. “A segurança pública é dever do Estado, e é disponibilizada de forma geral e indivisível para a garantia da ordem pública e para preservação da incolumidade das pessoas e do patrimônio”, decidiu a ministra na época. “Tratando-se de atividades específicas do Corpo de Bombeiros Militar, o combate a incêndio e a realização de salvamentos e resgates não podem ser custeados pela cobrança de taxas”, concluiu a ministra.
As ações de pessoas físicas e jurídicas para anular a taxa têm sido bem sucedidas, e tem gerado burburinho e muito serviço para advogados e administradoras de imóveis. Recentemente, a Light S/A obteve ganho de causa no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e não pagará mais a taxa nos seus imóveis, após o trânsito em julgado da ação: a decisão ocorreu no dia 17 de março último.
“O STF já decidiu sobre o assunto, e segue tomando decisões semelhantes. Nós estamos orientando nossos clientes a ingressar em juízo e pedir a nulidade das cobranças futuras e o reembolso das taxas pagas nos últimos 5 anos. Nós já fizemos um convênio com um escritório de advocacia que estará patrocinando as causas de nossos clientes”, disse ao DIÁRIOWilton Alves, diretor do departamento de administração da tradicional imobiliária Sergio Castro Imóveis. “Não há porque pagar algo cuja cobrança é ilegal“, completa. Todavia, ele informa que o não pagamento só deve ocorrer a partir da decisão judicial, após a propositura da ação.
O DIÁRIO DO RIO entrou em contato com o Corpo de Bombeiros do Rio, que afirmou que segue atuando com base na lei estadual que institui a cobrança da taxa. Confira a nota enviada:
“O CBMERJ atua baseado na constitucionalidade da lei que instituiu a cobrança do tributo, cuja arrecadação mantém, em nível de excelência, o serviço prestado à sociedade fluminense. Capacitação dos militares, viaturas e equipamentos de última geração estão entre os benefícios gerados pela Taxa de Incêndio, cujo valor varia de acordo com finalidade e a metragem da edificação”.
Todavia, não é isso que vem ocorrendo, segundo o Ministério Público. Uma ação civil pública ajuizada pelo MP informa que as receitas vinculadas ao Funesbom, em especial as decorrentes das taxas e contribuições da corporação, estavam sendo transferidas para a Conta Única do Tesouro Estadual (CUTE), ou seja, não estariamsendo destinadas ao Corpo de Bombeiros!
A ação judicial é de autoria do Grupo de Atuação Especializada no Combate à Sonegação e aos Ilícitos contra a Ordem Tributária (GAESF) e foi movida contra o ex-governador Luiz Fernando Pezão, o Estado do Rio de Janeiro e o então secretário de Estado de Defesa Civil e Comandante-Geral do Corpo de Bombeiros Militar do Estado, coronel Roberto Robadey Costa Junior.
Trocando em miúdos, apenas em 2019, ou seja, em um único ano, o Funesbom teria acumulado R$ 340 milhões em recursos, valor que chegaria a ultrapassar todo o orçamento previsto na Lei Orçamentária Anual para o fundo (318 milhões), e que não foi aplicado no combate a incêndios e nem beneficiou de nenhuma forma os bombeiros do estado. Segundo o Ministério Público, teria havido vontade específica de não utilizar os recursos de que a corporação precisava, o que resultou neste acúmulo ilegal e ilegítimo de recursos financeiros, durante anos. Ou seja, além de ser ilegal e inconstitucional, a taxa de incêndio no Rio sequer é utilizada para a finalidade que é cobrada.
Diário do Rio