Polícia afirma que houve troca de tiros e que agiu após confrontos; moradores dizem que vítimas estavam rendidas
A ação, que também ocorreu nas favelas da Coroa e Fogueteiro, reuniu o Bope (Batalhão de Operações Especiais) e o Batalhão de Choque e começou, segundo a PM, após uma série de confrontos entre as quadrilhas das três comunidades.
A secretaria municipal de saúde informou que 16 suspeitos deram entrada no hospital municipal Souza Aguiar. Segundo a pasta, 13 chegaram sem vida ao local, um morreu no CTI e outros dois permanecem na unidade. No morro dos Prazeres, mais dois suspeitos foram encontrados feridos e levados para a mesma unidade.
Ainda segundo a PM, os policiais do choque foram recebidos a tiros no Fallet, dando início ao confronto —não há informação de agentes feridos ou mortos. Moradores dizem que os policiais atiraram mesmo após a rendição dos suspeitos.
A reportagem conversou com uma mulher que teve um filho e um sobrinho mortos na operação e que não quis se identificar, com medo de represálias. "Já entraram três vezes na minha casa", disse.
De acordo com ela, os suspeitos foram rendidos dentro de uma casa e mortos em seguida. "Eles perguntaram: 'não vão fazer nada?'. E os policiais disseram que não", afirmou.
Segundo o relato, quando seu filho virou-se de costas para negociar a rendição com o grupo, agentes atiraram contra ele. "Deram um tiro nas costas. Furaram meu filho todo. Não me respeitaram em momento nenhum, nem meu filho de oito anos. Falou na cara do meu filho: 'bem feito'."
A mãe também disse que os policiais tentaram impedir que familiares entrassem na casa para identificar os corpos.
Outro familiar de dois jovens mortos afirmou à Folha que ambos eram envolvidos com o crime. Contudo, declarou que os dois se entregaram e foram mortos pelos policiais ainda assim.
O advogado Rodrigo Mondego, membro da comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, esteve na região e ouviu de outros moradores relatos semelhantes.
De acordo com Mondego, foram escutados gritos de rendição na casa onde os suspeitos se refugiaram e, antes do ocorrido, um drone de monitoramento sobrevoou a comunidade.
Além disso, segundo ele, teria havido confronto com balas de borracha e gás lacrimogêneo entre os moradores e os policiais. Isso porque, após as mortes, um grupo de pessoas da comunidade tentou garantir que outros cinco suspeitos, escondidos em outra casa, pudessem se entregar em segurança à polícia.
Mondego também afirmou que os agentes levaram os suspeitos para o hospital já sem vida. E, entre os mortos, estavam dois adolescentes de cerca de 15 anos, de acordo com o advogado.
Questionada sobre a idade dos suspeitos, a Polícia Civil afirmou que as investigações estão em andamento na Delegacia de Homicídios e que foi realizada perícia no local. Segundo a corporação, os policiais militares envolvidos no confronto estão sendo ouvidos e suas armas foram recolhidas e encaminhadas à perícia.
A corporação também informou que foram apreendidos três fuzis, 12 pistolas, carregadores e granadas.
O número de pessoas mortas em decorrência da intervenção policial no Rio subiu 36% de 2017 para o ano passado —de 1.127 para 1.532 pessoas. Só na capital, em 2018, foram 556 mortes atribuídas à polícia, segundo dados do Instituto de Segurança Pública.
Para Ignácio Cano, professor da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro), membro do Laboratório de Análises da Violência, o número elevado de vítimas na operação desta sexta-feira "é simbólico da forte possibilidade de uso excessivo da força letal. De um país em que a polícia tem carta-branca e, mais do que isso, é encorajada a matar".
Segundo ele, a operação vem na esteira do posicionamento do novo governador do estado Wilson Witzel (PSC) e do presidente Jair Bolsonaro (PSL) —ambos falam em endurecimento nas ações contra criminosos.
O ex-juiz federal diz, desde a campanha eleitoral, que autorizará o “abate” de criminosos portando armas pesadas. “O correto é matar o bandido que está de fuzil. A polícia vai fazer o correto: vai mirar na cabecinha e... Fogo!”, afirmou. Para isso, ele disse que treinaria atiradores de elite para dispararem inclusive de helicópteros e compraria drones capazes de atirar.
"A retirada dos cadáveres para serem despejados nos hospitais inviabiliza a perícia no local. Está vindo o que foi prometido, novas formas de legitimar a execução sumária", afirma Cano.
A modificação da cena do crime vai dificultar a responsabilização pelas mortes, segundo a socióloga Julita Lemgruber, que coordena o Centro de Estudos de Segurança e Cidadania da Universidade Cândido Mendes e é ex-ouvidora de polícia e ex-diretora do Departamento do Sistema Penitenciário do Rio. “Retirarem 13 corpos é a absoluta confiança na impunidade e certamente não vai acontecer nada.”
Ela critica o pacote anticrime apresentado pelo ministro da Justiça Sérgio Moro, que descreve como legítima defesa mortes ocorridas em cenários de “escusável medo, surpresa, ou violenta emoção”
"Está muito claro que a licença para matar entrou em vigor, mesmo antes da legislação do Moro. Simbolicamente isso já está sendo operado na prática. O policial se sente encorajado a matar, com a justificativa de ter sido tomado por violenta emoção”, afirma Lemgruber.
Folha de São Paulo